“Bichos escrotos saiam dos esgotos,
bichos escrotos venham enfeitar meu lar, meu jantar, meu nobre paladar!” Os
versos de bichos escrotos revelavam que os Titãs seguiriam um novo caminho, uma
nova estética, a mesma banda com outra cara, outra sonoridade, mais punk, com
mais acidez, atitude e agressividade. “Cabeça Dinossauro”, o terceiro álbum da
banda, mudou a história dos Titãs, marcou presença no rock nacional e se tornou
um dos clássicos mais importantes da geração oitenta.
Apontado entre os 100 (cem) melhores
discos da musica brasileira ficou na 19ª posição, em 1997,
e ainda, a revista Bizz o elegeu como sendo o melhor álbum de pop rock nacional. Vendeu 500.000
cópias recebendo a classificação de disco de platina.
O álbum nasceu de uma urgente necessidade de sobrevivência e afirmação
da banda, sem este, os “Titãs”, que já foram um dia, “Os Titãs do Iê-iê-iê” (antes
de entrarem no mercado fonográfico é claro, quando ainda se apresentavam em
festivais estudantis), e que defendendo os hits dos dois primeiros discos:
“Titãs” e “Televisão”, apareciam nos programas de auditório, tipo “Cassino do
Chacrinha”, “Perdidos na Noite (Faustão na Band)”, “Clube do Bolinha”, etc, com
um figurino exótico, coreografias para lá de esquisitas, visual new wave, e,
musicas comerciais, que caiam logo no gosto de público, “Sonífera Ilha”,
“Televisão”, “Toda Cor”, “insensível”, “Não vou me Adaptar” (nestes se
encontram as versões originais de “hits” como “Go back”, “Marvin”, “ Para dizer
Adeus” e “Querem o meu sangue” que só se tiveram o devido reconhecimento em
regravações ao vivo e no Acústico MTV de 1997), teriam caído em um possível
ostracismo.
A urgência em questão se dava pelo fato de aquele seria o terceiro disco
da Banda e que com este se encerraria o contrato com a gravadora. Um possível
fracasso poderia tirá-los de vez do mercado fonográfico ou fadá-los a ser
apenas mais uma banda, sem pouca expressão, que só seria lembrada por ter feito
parte daquele importante momento do rock nacional. Os Titãs já se destacavam
pelas suas letras inteligentes e pela ousadia visual, mas faltava alguma coisa,
a sonoridade da banda não se sobressaia naquele cenário, eles eram bons, mais tinha
muita gente boa, fazendo som de altíssima qualidade. Tinham que encontrar um
novo caminho. Havia uma saída, uma saída que pedia ao octeto paulista humildade
e coragem para enfrentar novos desafios em termos musicais.
A saída era Liminha, um dos grandes produtores da época, conhecido por
literalmente se apropriar do estilo e sonoridade das bandas com quem
trabalhava, os Titãs criticavam o produtor pela sua massiva interferência no
trabalho dos artistas, deixava nele a sua marca, e isso os incomodava.
Deixaram o ego de lado e buscaram a ajuda do consagrado produtor. Um
passo para lá de acertado, se assim não o fosse, não nasceria o “Cabeça
Dinossauro”, pelo menos não o que conhecemos, a presença do Liminha foi
essencial não só para a concepção do disco como também para a nova e ainda
atual sonoridade da banda. De uma só vez, Liminha fez do “Cabeça Dinossauro” um
disco referencia, salvou os “Titãs” de um desaparecimento precoce e os
transformou em uma das principais bandas do Rock Nacional, unindo-se aos
“Paralamas” e a “Legião”, na santíssima trindade das grandes bandas do rock
brasileiro.
Em se tratando da sonoridade, os titãs não perderam sua essência, mas a
contribuição do Liminha os direcionou para outras possibilidades, as letras
ficaram mais ácidas, o som mais pesado,
harmonia mais próxima das referencias do punk rock, que influenciaram todas a
grandes bandas da época. Musica agressiva, letras inteligentes, misturas com o
reggae e com funk e outros ritmos, tudo
com muita qualidade, deram uma nova cara
ao som dos titãs e foram fundamentais para que o “Cabeça Dinossauro”,
tivesse seu lugar de honra entre os grandes monumentos da indústria fonográfica
brasileira.
Outro fato que influenciou a busca de uma nova sonoridade para a banda,
foi a prisão de dois de seus integrantes, ainda em 1985, Arnaldo Antunes e
Tonny Belloto, responderam em liberdade por porte de heroína, pois eram réus
primários.
A inspiração para o material gráfico veio da obra de um gênio renascentista,
Leonardo da Vinci, um esboço intitulado “A expressão de um homem urrando” foi
escolhido para capa e um outro desenho, do mesmo autor, “Cabeça grotesca”,
ilustrou a contra capa. Os traço de Da
Vinci, que era um excelente anatomista,
imprimiu ao álbum a expressão antropológica e visceral do seu conteúdo.
Das treze canções do álbum, onze foram hits instantâneos, exceto as faixas
"A face do destruidor” e “Dívidas”.
"Bichos Escrotos", que já fazia
parte do repertório da banda desde 1982, só foi gravada neste terceiro álbum.
Porém, a censura vetou sua execução radiofônica considerando o afrontoso verso "vão se foder". Ainda
assim as rádios a executaram, ora com aquele repressivo “plim” ora a própria
versão original, suportando a conseqüente multa.
A faixa titulo “Cabeça dinossauro” é marcada por improvisos percussivos
do próprio Liminha, que segundo consta a informação no encarte do álbum foram
inspirados em um ritual dos indos do Xingu. Nada mais visceral e antropológico,
somado a poesia concretista de Arnaldo Antunes.
Alias o concretismo é a marca poética de Cabeça Dinossauro, estando
presente em praticamente em todas as faixas, do próprio Arnaldo Antunes, que a
carregou consigo para sua carreira solo e também literária, e, da estética dos
Titãs em sua nova fase, notado em suas canções até hoje.
“O que” foi a faixa que deu mais
trabalho e levou mais tempo para ser gravada, teve a letra, a melodia e os
arranjos alterados durante as gravações, a fusão com o funk vitaminou o que seria uma musica convencional.
Apesar da adesão estética ao movimento punk, os Titãs e o “Cabeça
Dinossauro”, escapam ao estereótipo e ao rotulo de punk. É um álbum de
referencia, aponta novos caminhos, tanto para a banda como para o rock brasileiro,
em efervescência na época. A estrutura poética e a avalanche sonora inaugurada no
mesmo, influencia não só todos os trabalhos da banda que o sucederam como
também, a outros músicos, compositores e bandas que bebem na fonte visceral,
grotesca, antropológica, concretista,
urbana, verdadeira miscelânea de ritmos
e ideias e força brutal do “Cabeça Dinossauro” que deu a “porrada” que faltava ao pop rock
nacional, pelo menos no mercado fonográfico, pois no underground, a galera do
movimento já fazia punk rock de raiz, e emergia do submundo com muito, muito
barulho...